8 de abril de 2019

Shunryu Suzuki - Experiência da mente grande, iluminação, não-cognitivo, não-dualidade, confiança

O mestre Dogen disse que alguns podem atingir a iluminação e outros não. Essa é uma questão que muito me interessa. Embora todos sigamos a mesma prática fundamental e a realizemos da mesma forma, alguns atingirão a iluminação e outros não. Isto significa que, mesmo que não tenhamos qualquer experiência de iluminação, se sentarmos de maneira adequada, com atitude e compreensão da prática corretas, isto é Zen. O ponto principal é praticar com seriedade, e a atitude mais importante é compreender e ter confiança na mente grande.

Dizemos "mente grande" ou "mente pequena" ou "mente de Buda" ou "mente Zen", e essas palavras significam algo, vocês sabem, mas algo que não podemos e não devemos tentar entender em termos de experiência. Falamos sobre a experiência de iluminação, mas não é uma experiência que possa ser formulada em termos de bom ou mau, tempo ou espaço, passado ou futuro. É uma experiência ou consciência que está além dessas distinções e sentimentos. Por isso não devemos perguntar: "O que é experiência de iluminação?" Tal pergunta significa que você não sabe o que é a experiência Zen. A iluminação não pode ser indagada pelo modo ordinário de pensar. Quando você não estiver envolvido nesse modo de pensar, terá alguma chance de entender o que é a experiência Zen.

A mente grande na qual devemos confiar não é algo que se possa experimentar objetivamente. É algo que está sempre com você, sempre ao seu lado. Seus olhos estão junto de você, por isso não os pode ver e seus olhos não podem ver a si próprios. Os olhos só vêm as coisas externas, os objetos. Se você reflete sobre si mesmo, este si mesmo já não é o verdadeiro si mesmo. Você não pode projetar a si mesmo como alguma coisa objetiva para pensar a respeito. A mente que está sempre a seu lado não é apenas a sua mente, é a mente universal, sempre a mesma e não distinta de qualquer outra mente. É a mente Zen. É a grande, grande mente. Está em qualquer coisa que se vê. Sua mente verdadeira está sempre com tudo quanto se vê. Embora você não conheça sua própria mente, ela está ali - no exato momento que você vê alguma coisa, ali está ela. Isto é muito interessante. Sua mente está sempre com as coisas que você observa. Assim, essa mente é ao mesmo tempo todas as coisas.

A mente verdadeira é a mente observadora. Não se pode dizer: "Isto sou eu mesmo, minha mente pequena ou minha mente limitada, e aquilo é a mente grande". Isto é limitar-se a si mesmo, restringir sua verdadeira mente, fazer de sua mente um objeto. Bodhidharma disse: "Para ver um peixe você tem de observar a água". Na verdade quando você vê a água, você vê o verdadeiro peixe. Antes de ver a natureza de Buda você tem que observar a própria mente. Quando você vê a água ali está a verdadeira natureza. A verdadeira natureza é observar a água. Quando você diz: "Meu zazen é muito pobre", eis aí a verdadeira natureza, mas você, tolamente, não a percebe. Você a ignora propositalmente. Há uma imensa importância no "eu" com o qual você observa sua mente. Este eu não é o "grande eu"; é o "eu" incessantemente ativo, sempre nadando, sempre voando pelo vasto espaço com suas asas. Por asas quero dizer pensamento e atividade. O vasto céu é o lar, meu lar. Não há pássaro, nem ar. Quando o peixe nada, a água e o peixe são o peixe. Não há nada a não ser peixe. Compreende? Você não pode encontrar a natureza de Buda por vivissecção [dissecação]. A realidade não pode ser apreendida pela mente pensante ou senciente. Observar sua postura, observar sua respiração, momento após momento, é a verdadeira natureza. Além deste ponto não há segredo algum.

Nós, budistas, não concebemos que tudo seja apenas matéria, ou apenas mente, ou produto de nossa mente ou que a mente seja atributo do ser. O que estamos sempre falando é que mente e corpo, mente e matéria são sempre uma coisa só. Mas se você não ouve com atenção soa como se estivéssemos falando sobre algum atributo do ser, ou acerca de algo "material" ou "espiritual". Esta, talvez, seja uma versão possível. Mas, na realidade, o que estamos indicando é a mente que está sempre ao lado, que é a verdadeira mente. A experiência de iluminação é descobrir, compreender, perceber esta mente que está sempre conosco e que não podemos ver. Compreendem? Se tentar alcançar a iluminação do mesmo modo como vê uma estrela brilhante no céu, será bonito e talvez pense: "Ah, isto é iluminação". Mas não é. Tal compreensão é literalmente uma heresia. Mesmo que não o saiba, neste tipo de compreensão você está abrigando a idéia de apenas matéria. Muitas das experiências de iluminação são assim: algo apenas material, algum objeto da mente, como se através de uma boa prática você tivesse encontrado aquela estrela brilhante. Esta é a concepção de sujeito e objeto, e não é a maneira certa de se buscar a iluminação.

(...)

Seja difícil ou fácil de praticar, difícil ou fácil de entender, a única coisa a fazer é praticar. Ser leigo ou ser monge não vem ao caso. O que importa é descobrir-se como alguém que está realizando algo, que está reassumindo seu verdadeiro ser através da prática, reassumindo esse si próprio que está sempre com todas as coisas, com o Buda, que está completamente sustentado por tudo. Neste exato momento! Você pode dizer que isto é impossível. Mas é possível! Ainda que por um instante, você pode fazê-lo! Este instante é possível! E é este o instante! Se é possível neste instante, é possível sempre. Portanto, se você tem confiança, essa é a sua experiência de iluminação. Se tiver essa confiança firme em sua mente grande, já é um budista em seu verdadeiro sentido, mesmo que não alcance a iluminação.

Eis a razão pela qual o mestre Dogen disse: "Não esperem que todos os que praticam zazen alcancem a iluminação a respeito desta mente que está sempre conosco". Ele quis dizer que se você acha que a mente grande está em algum lugar fora de você, separada de sua prática, está enganado. A mente grande está sempre conosco. Por isso repito as mesmas coisas quando percebo que não entenderam. Zen não é só para aquele que pode cruzar as pernas ou tem grande habilidade espiritual. Todos têm natureza de Buda. Cada um de nós deve encontrar uma forma de realizar sua verdadeira natureza. O propósito da prática é termos uma experiência direta da natureza de Buda, comum a todos. Tudo quanto você fizer deve ser uma experiência direta da natureza de Buda. Natureza de Buda significa estar consciente da natureza de Buda. Seus esforços devem ser dirigidos para a salvação de todos os seres vivos.

fonte: "Mente zen, mente de principiante", Ed. Palas Athena, 9ª ed., 2017

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