13 de abril de 2019

Sua Santidade, o Dalai Lama - Decidindo alcançar a iluminação

DECIDINDO ALCANÇAR A ILUMINAÇÃO

Uma vez que você tenha chegado ao ponto de querer, profundamente, fazer o possível para acabar com o sofrimento e suas causas e ajudar os outros seres vivos a conquistar a felicidade, reflita sobre como isso pode ser obtido. Isto só pode acontecer se as outras pessoas também entenderem como este processo funciona e, então, colocá-lo em prática. Assim, seu comprometimento com o bem-estar dos outros seres pode ser mais bem suportado ao ensiná-los como praticar e quais comportamentos abandonar. Dessa forma, eles também terão o poder de manter a felicidade e evitar o sofrimento. Não há outra maneira. Para isso acontecer, você deve conhecer a disposição íntima e os interesses dos outros, assim como o que ensinar para eles.

Então, para ajudar os outros, você deve estar totalmente preparado. Em que consiste essa preparação? Você deve remover todos os obstáculos de sua própria mente para saber tudo o que deve ser conhecido. O que os praticantes compassivos - chamados Bhodissatvas - realmente desejam não é apenas superar as obstruções que impedem sua própria libertação. Eles querem limpar o caminho para a onisciência, de modo que possam ter acesso às disposições dos outros e escolher quais técnicas os ajudarão. Se fosse apenas uma questão de escolha, os Bodhissatvas escolheriam primeiro remover as obstruções. Mas as emoções aflitivas, que nos mantêm aprisionados na existência cíclica, estabelecem as obstruções para a onisciência. Essas obstruções são predisposições da mente que fazem com que os fenômenos aparentem ter existência inerente. Sem primeiro sobrepor a principal emoção aflitiva - a ignorância que acredita na existência inerente -, você não poderá sobrepor as predisposições postas na mente pela ignorância. Pela purificação das obstruções aflitivas, assim como pelas predisposições estabelecidas por elas, você pode transformar sua própria consciência na consciência onisciente de um Buda, totalmente iluminada.

Em resumo, para trazer a felicidade completa para os outros, é necessário que você atinja a iluminação. Quando você entender isso e resolver buscar a iluminação pensando nos outros, é o que se chama de intenção altruísta para a iluminação, ou bodhichitta. Você pode gerar o poder do bodhichitta em você, seguindo a prática de Shantideva de ver a si mesmo e aos outros como igualmente desejosos da felicidade e, com isso, mudar a ênfase de seus objetivos para os de infinitas pessoas.

Há três diferentes estilos de atitudes altruístas, encontradas em três tipos de pessoas. O primeiro tipo é como um monarca, desejando atingir antes o estágio de Buda para poder ajudar os outros seres. A segunda é como um barqueiro, desejano chegar a outra margem junto com todos os outros seres. A última é como um pastor, desejando que todos os outros atinjam o estado de Buda primeiro, antes mesmo da iluminação do próprio pastor.

As duas últimas analogias apenas indicam a atitude compassiva de alguns tipos de praticantes. Na verdade não há nenhum caso como o do barqueiro, de todos conseguirem a iluminação simultaneamente, nem como o pastor, em que os outros conseguem primeiro. Em vez destes, a iluminação sempre chega em primeiro lugar, como um monarca, já que os Bodhisattvas às vezes decidem se tornar iluminados os mais rápido possível, para poder ajudar os outros melhor e em maior número.

Com o sábio tibetano no Sakya Pandita diz em seu 'Diferenciação dos três votos', Bodhisattvas têm dois tipos de desejos em orações, os que podem e os que não podem ser realizados. No 'Guia do modo de vida do Bodhissatva', de Shantideva, há muitos exemplos de desejos que, na verdade, não podem ser realizados, mas eles existem para fortalecer a vontade e a determinação. Por exemplo, a prática de transferir nossa felicidade e receber o ódio dos outros não é possível literalmente, a não ser, talvez, para pequenos sofrimentos. Mas esta prática, apesar de irreal, tem como objetivo aumentar a coragem de compaixão. As analogias do barqueiro e do pastor servem para indicar como é poderoso o desejo de Bodhisattvas de ajudar os outros.

Deixe-me exemplificar esta dedicação em um nível profundo de experiência. Havia um praticante erudito no monastério Drashikyil, em uma província no nordeste do Tibete chamado Amdo. Em 1950, quando os chineses comunistas invadiram e prenderam mil dos três mil monges do monastério, cem foram escolhidos para serem mortos. Ele era um deles. Ao ser levado para o local da execução, pouco antes de ser atingido por um tiro, ele orou:

Que todas as ações, obstruções e sofrimentos ruins de todos os seres
Sejam transferidos para mim, sem exceção, neste momento
E que minha felicidade e mérito sejam enviados para todos os seres
Que todas as criaturas sejam imbuídas desta felicidade


Apenas alguns instantes antes de ser morto, ele teve a presença espiritual de lembrar da prática de tomar para si o sofrimento de todos os seres e lhes dar sua própria felicidade! É muito fácil falar sobre esta prática quando as coisas estão bem, mas ele foi capaz de realizá-la no momento mais difícil. É uma indicação clara da realização espiritual adquirida de uma longa prática.

fonte: "Como praticar", Ed. Rocco, 2003.

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