14 de abril de 2019

Thich Nhat Hahn - Nós não podemos conceber o nascimento de coisa alguma. Há apenas continuação

Nós não podemos conceber o nascimento de coisa alguma. Há apenas continuação. Por favor, olhe para trás ainda além e você verá que você não somente existia no seu pai e na sua mãe, mas você também existia em seus avós e seus bisavós. Quando eu olho mais profundamente, eu vejo que, numa vida anterior, eu fui uma nuvem. Isto não é poesia, isto é ciência. Porque eu digo que numa vida anterior eu fui uma nuvem? Porque ainda sou uma nuvem. Sem a nuvem, eu não posso estar aqui. Eu sou a nuvem, o rio, e o ar neste exato momento, e assim eu sei que no passado fui uma nuvem, um rio e o ar. E eu fui uma rocha. Eu fui os minerais na água. Isto não é uma questão de crença na reencarnação. Isto é a história da vida na terra. Nós já fomos gás, raios de sol, água, fungos e plantas. Nós já fomos seres unicelulares. O Buda disse que numa de suas vidas prévias ele tinha sido uma árvore. Ele fora um peixe e um cervo. Não se trata de superstição. Cada um de nós já foi uma nuvem, um cervo, um pássaro, um peixe, e continuamos a ser estas coisas, não apenas em vidas anteriores.

Não é este o caso, de jeito nenhum, com o nascimento. Nada pode nascer e, também, nada pode morrer. Foi isto o que disse Avalokita. Você acha que uma nuvem pode morrer? Morrer significa que de alguma coisa você se tornou nada. Você acha que nós podemos fazer de alguma coisa um nada? Vamos voltar para a nossa folha de papel. Nós podemos ter a ilusão de que para destruí-la basta acendermos um fósforo e queimá-la. Mas, se nós queimamos uma folha de papel, parte dela virará fumaça e a fumaça subirá e continuará a existir. O calor produzido na combustão do papel irá entrar no cosmos e penetrar outras coisas, pois o calor será a próxima vida do papel. As cinzas formadas se tornarão parte do solo e a folha de papel, em sua próxima vida, poderá ser uma nuvem e uma rosa ao mesmo tempo. Nós temos de estar muito cuidadosos e atentos para percebermos que esta folha de papel nunca nasceu, e que ela nunca morrerá. Ela poderá assumir outras formas de ser, mas não somos capazes de transformá-la em um nada absoluto.

Tudo é assim, mesmo você e eu. Nós não estamos sujeitos ao nascimento e à morte. Um mestre Zen poderia dar a um estudante um tema de meditação do tipo: “Como era seu rosto antes dos seus pais nascerem?” Este é um convite para partir na jornada do reconhecimento de si mesmo. Se você se sair bem, você poderá ver as suas vidas prévias bem como as suas vidas futuras. Por favor, lembre-se de que não estamos falando sobre filosofia, nós estamos falando sobre realidade. Olhe para sua mão e pergunte a si mesmo: “Desde quando minha mão tem estado por aí?” Se eu olhar profundamente na minha mão, eu poderei ver que ela tem estado por aí há muito tempo, mesmo mais de 300.000 anos. Eu verei muitas gerações de ancestrais nela, não só no passado, mas no momento presente, ainda vivas. Eu sou apenas a continuação. Eu nunca morri antes. Se eu tivesse morrido mesmo uma única vez, como a minha mão poderia estar aqui ainda?

O cientista francês Lavoisier, disse: "Nada é criado e nada é destruído". É exatamente o mesmo que diz o Sutra do Coração. Mesmo os melhores cientistas contemporâneos não podem reduzir algo tão pequeno como um grão de poeira ou um elétron ao nada. Uma forma de energia só pode se transformar em outra forma de energia. Uma coisa nunca pode se tornar nada, e isto inclui o grão de poeira.

fonte: "O coração da compreensão", Ed. Bodigaya, 2000, p. 39.

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