13 de abril de 2019

Shunryu Suzuki - Unicidade e diversidade são a mesma coisa

O mestre Dogen disse: "Ainda que seja meia-noite, a aurora está presente; embora a aurora chegue, ainda é noite". Este tipo de afirmação exprime a compreensão do Buda transmitida aos patriarcas e dos patriarcas a Dogen e a nós. Dia e noite não são diferentes. A mesma coisa é às vezes denominada noite, às vezes, dia. São uma só coisa.

A prática do zazen e a atividade diária são uma única coisa. Nós chamamos o zazen de vida diária, e a vida diária de zazen. Mas, em geral, pensamos: "Agora o zazen acabou e nós iremos para a atividade diária". Isso, no entanto, não é compreensão correta. Ambos são a mesma coisa. Não temos para onde escapar. Assim, na atividade deve haver calma e na calma, atividade. Calma e atividade não são diferentes.

Cada existência depende de alguma outra coisa. A rigor, não há existências individuais separadas. O que existe são muitos nomes para uma só existência. Algumas vezes, as pessoas enfatizam a unicidade, mas essa não é nossa compreensão. Nós não enfatizamos nenhum ponto em particular, nem mesmo a unicidade. A unicidade é valiosa, mas a diversidade também é maravilhosa. Ignorando a diversidade, as pessoas dão ênfase à existência única absoluta; mas esse é um entendimento unilateral; ele contém uma separação entre diversidade e unicidade. Mas unicidade e diversidade são a mesma coisa, de maneira que a unicidade deve ser apreciada em cada existência. Eis por que insistimos mais na vida diária do que em qualquer estado particular da mente. Devemos encontrar a realidade a cada momento, em cada fenômeno. Este ponto é muito importante.

(...)

Foi-nos ensinado que não há separação entre noite e dia, não há separação entre você e eu. Isto significa unicidade. Mas nós não enfatizamos sequer a unicidade. Sendo um, não há necessidade de enfatizá-lo.

Dogen disse: "Aprender alguma coisa é conhecer a si mesmo; estudar budismo é estudar a si próprio". Aprender alguma coisa não é adquirir algo que você não conhecesse antes. Você conhece antes mesmo de aprender. Não há qualquer hiato entre o "eu" antes de ter aprendido algo e o "eu" depois de ter aprendido algo. Não há distância entre o ignorante e o sábio. Uma pessoa tola é sábia. Uma pessoa sábia é tola. Mas, geralmente pensamos: "Ele é tolo e eu sou sábio"; ou "eu era tolo, mas agora sou sábio". Como podemos ser sábios se somos tolos? A compreensão transmitida desde o Buda até nós é que não há qualquer diferença entre um homem tolo e um homem sábio. Assim é. Porém, se eu digo isto, as pessoas pensam que estou realçando a unicidade. Não é assim. Nós não realçamos nada. Tudo o que queremos fazer é conhecer as coisas simplesmente como elas são. Se conhecemos as coisas como elas são, não há nada a ser destacado. Não há maneira de prender algo; não há nada para prender. Não podemos realçar ponto algum. Todavia, como disse Dogen: "A flor cai, mesmo que a amemos, e a erva daninha cresce, mesmo que a desprezemos". Ainda que seja assim, essa é a nossa vida.

Nossa vida deve ser entendida dessa maneira. Então não há problemas. Porque realçamos algum aspecto particular, é que sempre temos problemas. Devemos aceitar as coisas simplesmente como elas são. É assim que entendemos todas as coisas e que vivemos neste mundo. Este tipo de experiência está além do nosso pensamento. No campo do pensamento, existe uma diferença entre unicidade e diversidade; mas, na experiência real, diversidade e unidade são a mesma coisa. Porque você cria uma idéia do que seja unidade ou diversidade, é que você fica aprisionado pela idéia. Por isso continua a pensar infindavelmente quando, na verdade, não há necessidade de pensar.

Emocionalmente, temos muitos problemas, mas esses problemas não são reais; são algo que foi criado; são problemas levantados pelas nossas idéias ou pontos de vista egocêntricos. É por salientarmos algo que há problemas. Mas, na realidade, não é possível salientar alguma coisa em particular. Felicidade é infelicidade; infelicidade é felicidade. Há felicidade na dificuldade e dificuldade na felicidade. Embora as maneiras de sentir sejam diferentes, elas não são realmente diferentes; na essência são a mesma coisa. Esta é a verdadeira compreensão transmitida desde o Buda até nós.

fonte: "Mente zen, mente de principiante", Ed. Palas Athena, 9ª ed., 2017

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